Ele Vê Além da Transitoriedade
E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E, no mesmo instante, lhe desapareceu a lepra. Lucas 5:13
Impuro cerimonialmente. Separado da família, da sua fé e da sua cidade. Aí estava um homem destituído de direitos, de cidadania e humanidade. Sua morada agora era junto aos dejetos de seus compatriotas. Sua família estava desamparada e seu corpo era o retrato da deterioração. Essa doença contagiosa cujo aspecto despertava os preconceitos mais cruéis do ser humano, também era a tragédia pessoal que melhor personificava um inimigo desagregador ainda mais terrificante: o pecado. Como a lepra, ele mancha a natureza humana, impossibilita o mais vital e elementar de nossos relacionamentos, que é com o Pai, e desperta sentimentos de repulsa animalescos quando visto em outro ser humano.
Diante da legislação mosaica, Jesus não estava autorizado a tocar aquele homem, pois isso também o tornaria cerimonialmente impuro. Mas ele reinterpreta deliberadamente a restrição. Não porque a considerasse sem sentido ou injusta. Ele veio para cumprir a lei, e mesmo que essa lei especificamente estivesse atingindo sua caducidade, sua intenção não era revogá-la. Ele reconhecia sua representatividade e exatamente por isso, ele estende sua mão para transpor os cinqüenta ou sessenta centímetros mais longos da história da humanidade. Para mostrar que ele vê além da transitoriedade de uma doença que ele aboliria em seguida. Ele decide ignorar a putrefação da carne, pois sua restauração era tão certa e garantida que era como se aquele homem jamais tivesse sido manchado.
Essa dramatização extrema visa ilustrar que o Cristo entrou no tempo sem deixar-se afetar por ele, deixando seu olhar penetrar a eternidade em detrimento da condição deplorável, mas transitória daqueles que ele amou. Encontrou homens imersos em trevas, mas enxergou-os em suas condições preestabelecidas antes de tempos inimaginágeis quando havia Ele, subsistindo em Três pessoas, totalmente satisfeito e completo em Si mesmo, mas mirando o tempo em que manifestaria a beleza de seu amor a criaturas como nós. Ao mencionar esses tempos, Paulo reconhece que a obra completa Dele em nós é tão certa que usa o tempo passado para um verbo que expressa uma ação não-concretizada na História, mas garantida pela intransitoriedade do Poder Divino. “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.” É o último verbo que descreve a única experiência ainda não atingida por homem nenhum, apenas pelo próprio Cristo ressurreto. E Ele mesmo é descrito como o Cordeiro morto antes da fundação do mundo estabelecendo que sua condição eterna diante do Pai e dos homens, aquela que o define como Ser, não é aquela determinada pela transitoriedade, mas a que já é realidade no campo de sua decisão pessoal, aguardando apenas a manifestação. Ao contrário de nós, que sabemos que ações valem mais que palavras, a ação tem sua importância subjugada pelo seu próprio desejo Dele. Palavra é ação e desejo é atitude certa e garantida.
Há alguns milhares de anos, o Primeiro de nós, Adão, representativamente nos submeteu a uma condição transitória comparável a lepra do nosso afortunado amigo tocado por Jesus. Nossa natureza foi maculada, nosso ser entrou numa espiral de deterioração e nossa carne, em estado de putrefação ainda em vida. Mas ele olha, e seu olhar contempla um ser glorificado, resgatado e restaurado pela insistência do imutável amor que independe de cada um de nós.
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